Curadoria:
Fotografia: arte, documento, memória
A fotografia, nos seus variados formatos e nas suas variadas técnicas, marcou fortemente a vida social dos séculos 19 e 20. Nesta curadoria destacamos a trajetória da imagem técnica e a sua presença no acervo do Museu Casa de Benjamin Constant.
Fotografia: um desejo

À diretira, o pai das duas moças, Cláudio Luiz da Costa, que viria se tornar sogro de Benjamin Constant. Acervo MCBC, Ibram/MinC.
É comum falar em 1839 como o ano de invenção da fotografia, o marco-zero da imagem técnica. Mas não foi bem assim. Como bem lembra o historiador Geoff Batchen (2004), a fotografia foi concebida como um desejo e, somente depois, como concretude. Mesmo assim, os desejos e os formatos concretos foram variados.
Desde o século 18, artistas, cientistas e experimentadores exploravam as possibilidades de produção visual com a luz em interação com compostos químicos. A reação da prata à luz, por exemplo, era um conhecimento bastante antigo. A necessidade de uma imagem acurada, objetiva e prática surgiu dos desenvovimentos da ciência e da crescente demanda por observação e classificação do mundo.
O desejo, a busca, as tentativas e erros em direção ao que se pensava ser uma imagem objetiva fertilizaram o campo de possibilidades visuais do século 19. Joan Fontcuberta resume muito bem a questão quando afirma que “a fotografia nasceu como consequência de uma determinada cultura visual que ela mesma ajudou a fortalecer e impor” (Fontcuberta, 2002, p. 147).
Assim, na década de 1830, ganham espaço duas formas de produção da imagem técnica: o daguerreótipo e o talbótipo. Os dois processos são tributários de seus desenvolvedores e inventores: Louis Daguérre (França) e William Henry Fox Talbot (Inglaterra).
O daguerreótipo foi apresentado ao mundo em 1839 como uma promessa artística e, sobretudo, científica. Um positivo direto (ou seja, uma imagem que surge diretamente numa superfície, sem intermediação de um negativo), o daguerreótipo consiste numa placa de metal altamente polido e refletivo que, sensibilizado com compostos químicos adequados, registram em grande detalhe o que a câmera e o operador recortam do mundo.
Já o talbótipo, também chamado de calótipo, foi um processo que valorizava mais a replicação que a produção de uma imagem única. Fazia uso de negativos e era produzido sobre papel. Inaugura então, desde cedo, a possiblidade de reprodução e circulação da imagem.
Comercialmente, o daguerreótipo fez mais sucesso. Socialmente, reforçava distinções sociais, pois era depositado num estojo de luxo. O Museu Casa de Benjamin Constant preserva daguerreótipos que representam membros da família do patrono.
Processos fotográficos
A fotografia tomou variadas formas, desde seu gradual surgimento. Sempre um produto histórico da interação entre mundo, operador e máquina, a chamamos também de imagem técnica.
O Museu Casa de Benjamin Constant possui exemplares de todas os formatos e processos fotográficos, desde o daguerreótipo e o calótipo até a fotografia moderna, de gelatina sobre papel e, é claro, a digital.
Cada processo e formato fotográfico teve seus usos e funções. O daguerreóptipo produzia um exemplar único e luxuoso. A fotografia sobre papel, com o uso da albumina, barateou os custos e favoreceu a circulação de muitas cópias de um mesmo original. A platinotipia oferecia uma imagem altamente durável, mas a escassez da platina nas primeiras décadas do século 20 a fez desaparecer. O ferrótipo produzia uma imagem sobre metal, mas numa chapa bem mais fina que o daguerreótipo e, por isso, mais barata. A gelatina sobre porcelana cria uma parcepção de profundidade e delicadeza.
Sendo uma imagem bidimensional com efeitos de tridimensionalidade, a fotografia andou de mãos dadas com a ilusão. É o que se percebe na estereoscopia, uma dupla de imagens quase idênticas, justapostas e que, quando inseridas num visor especial, criam a ilusão de três dimensões.
A fotografia dita “moderna” é inaugurada com o filme de rolo e a com o aperfeiçoamento da gelatina sobre papel. A invenção da máquina Kodak revolucionou as práticas fotográficas, que passaram gradualmente dos operadores profissionais e seus estúdios para as mãos da população geral. Praticidade, velocidade e reprodutibilidade: esses foram os trunfos da Kodak. Aliando-os a uma eficiente propaganda, a empresa de George Estaman garantia a seus clientes que bastava apertar o botão e ela faria todo o resto.
Quer saber mais sobre os variados processos fotográficos? Acesse a série de vídeos do Eastman Museum aqui.














As coleções e os temas
Nosso acervo de fotografias divide-se em duas coleções: Benjamin Constant e Pery Constant Bevilaqua. Os dois grupos são compostos de fotografias de família, eventos, paisagens, retratos, registros profissionais e do cotidiano social.
A fotografia, por aliar-se à construção de memórias e por estruturar a relação das pessoas com o tempo, favorece tanto a circulação como o acúmulo de imagens. Portanto, assim como ocorreu com os livros, os documentos e os objetos, a família de Benjamin Constant preservou um importante conjunto de fotografias que, hoje, permitem o acesso aos recortes visuais de uma outra época.
Um dos aspectos sociais mais importantes vinculados à fotografia e seus usos é a relação de gênero. Para uma imagem perene, o arranjo visual deveria refletir a forma social. Nas imagens selecionadas, perceba a centralidade de Benjamin Constant, circundado pelas mulheres de seu núcleo familiar. Benjamin Filho é o único homem além do pai, e também o único que segura um livro nas mãos, sinal de cultura, letramento e masculinidade.
O mesmo aspecto é reproduzido nas fotografias de duas das filhas de Benjamin, retratadas junto aos maridos. Enquanto se destacam pela indumentária elaborada, Aldina (em pé) e Bernardina (sentada) estão em contaste com os homens, vestidos com sobriedade mas com livros à mão. Karl Fraenkel lê, ao passo que João Albuquerque Serejo marca com os dedos o local da leitura.
Relações raciais também podem ser pensadas a partir de fotografias. Na fotografia em que vemos uma criança num carrinho de madeira, há também um menino negro, bem vestido, que segura uma corda de puxar. A criança é Alcida Constant Beviláqua, filha de Alcida Constant e José Bevilaqua, neta de Benjamin. Alcida nasceu em 1893, cinco anos depois da abolição oficial da escravidão no Brasil. O arranjo visual, no entanto, ainda é estruturado pelas relações desiguais de servidão e serviço, tícas do regime escravista. Não há registro do nome do menino.
No circuito de sociabilidades e de transações comerciais, os fotógrafos e seus estúdios disputavam uma clientela cada vez mais crescente. Nos vesos de muitas imagens podem-se ler impressas frases como “Photogahos da Casa Imperial” (distinção oferecida pela monarquia), “Cavalheiro da Ordem de Christo” e o conjunto de prêmios e medalhas recebidas em exposições nacionais e intenacionais. Como no caso do Carte Cabinet em detaque, Pacheco & Filho apresentavam a “especialidade de retratos inalteráveis pelo novo systema da platinotipia”. Quem desejasse ter seus semblantes retratados para sempre, poderia visitar o estúdio dos artistas na Rua do Ouvidor, 102, Rio de Janeiro.
Fotografia e política: a imagem a serviço do poder
A imagem fotográfica também se prestou muito bem à produção de heróis nacionais. Bem como a pintura histórica e o retrato à óleo, era comum que se fotografassem personalidades, políticos, membros da elite dirigente e militares. Na fotografia de Benjamin Constant, percebe-se o olhar altivo do retratado, o cuidado com a pose e a composição dos objetos que remetem à autoridade militar. Essa figura de Benjamin foi uma das mais reproduzidas postumamente enquanto Fundador da República e patrono da educação de cegos no Brasil.

Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Carte Cabinet em Albumina. 1889.



Referências
Bibliográficas
BATCHEN, Geoff. Arder en deseos. La concepción de la fotografía. Barcelona: Gustavo Gili, 2004.
FONTCUBERTA, Joan. El beso de Judas. Fotografía y verdad. Barcelona: Gustavo Gili, 2002.



